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Corrida de rua 08/10/2024

Pouco importa que Maratona de Berlim é Major: história da cidade é o que conta

Por Andrei Spinassé, editor do Esportividade

Portão de Brandemburgo e últimos metros da 50ª Maratona de Berlim (Sportograf)

Não é o fato de ser Major que tornou, ao longo de 50 anos, a Maratona de Berlim o que ela é. A prova de 42,195 km na capital alemã é muito mais que uma etapa do Abbott World Marathon Majors, seleto circuito, iniciado em 2006, que engloba também as maratonas de Tóquio (Japão), Boston (Estados Unidos), Londres (Inglaterra), Chicago (Estados Unidos) e Nova York (Estados Unidos). A BMW Berlin Marathon, na verdade, já seria super-relevante mesmo se não fizesse parte dele. O que a Maratona de Berlim tem de mais especial é… Berlim, cidade que esteve literalmente dividida, murada, de 1961 a 1989 e, assim como a Alemanha, reunificou-se.

Em 1990, três dias antes da reunificação oficial da Alemanha, pela primeira vez os atletas participantes cruzaram o Portão de Brandemburgo, que pertencia a Berlim Oriental, ficando à beira do muro, enquanto até 1989 o evento era realizado apenas em Berlim Ocidental – o muro separava os corredores do Portão. Daquela edição de 1990, a 17ª, participaram 25 mil pessoas, o que mostra que, nessa transição política, a Maratona de Berlim passou a ter um papel grandioso – e histórico para uma nação – antes mesmo das Majors.

Memória: muro pode ser visto em algumas ruas de Berlim ainda hoje (Esportividade)

A corrida berlinense é a materialização da liberdade de ir e vir, que foi tolhida por quase três décadas do século XX. A cada ano, quando atletas dos “quatro cantos” do mundo passam pelo Portão de Brandemburgo correndo, sem muros os impedindo, essa liberdade é reforçada, porém a história não é apagada: partes do muro ainda podem ser vistas em alguns lugares da cidade; além disso, em certos pontos, paralelepípedos marcam o traçado original dele.

Em 2024, houve um aniversário duplo, 50 anos e 50 edições da Maratona de Berlim, uma vez que a de 2020 não foi disputada em razão da pandemia de covid-19. Essa comemoração elevou a participação a um patamar jamais visto: 54.280 pessoas concluíram a prova de 42,195 km, o que a tornou a maior maratona de todos os tempos, quanto ao número de medalhistas, até setembro de 2024, e pouco mais de 1.600 deles são brasileiros, isto é, quase 3% do total, praticamente o mesmo percentual de 2023.

Brasil: participação considerável na 50ª Maratona de Berlim (Sportograf)

Embora não haja voos diretos de São Paulo ou Rio de Janeiro, por exemplo, para Berlim, chegar à capital alemã não é complicado. Existem duas possibilidades mais claras: voo para Berlim a partir de outras cidades europeias, como Lisboa, Paris e Amsterdã; voo até Frankfurt e trem rápido, que atinge mais de 250 km/h, até Berlim, desembarcando na Berlin Hauptbahnhof, a Estação Central berlinense, após trajeto de quatro a cinco horas.

Apesar de a maioria dos brasileiros não falar alemão, há outras formas de comunicação e auxílio, já que a maior parte dos prestadores de serviços podem se comunicar em inglês com turistas e os aplicativos de telefone celular possuem funções que auxiliam o visitante – desde tradução simultânea até mapas com explicações em português a respeito de como chegar aonde se pretende.

Estande da Maratona de Berlim junto ao Portão de Brandemburgo (Esportividade)

O sistema de transporte público da capital alemã é supereficiente, e muitas vezes existem duas ou três alternativas para ir ao mesmo lugar. Participantes da maratona receberam um voucher que lhes dava gratuidade de locomoção municipal de quinta-feira, 26 de setembro de 2024, às primeiras horas de segunda-feira, dia 30. Não existem catracas, e o controle é feito por agentes, que de tempos em tempos conferem os bilhetes dos passageiros.

Entrada e saída da Expo pelo que era o saguão do aeroporto de Berlim-Tempelhof, (Esportividade)

Na manhã de quinta-feira, Berlim estava realmente no clima da maratona. Já se viam mais corredores treinando nas ruas, e o estande temporário junto ao Portão de Brandemburgo, abrigando uma exposição sobre a história do evento, passou a ser mais frequentado por participantes e acompanhantes. Às 15h de quinta-feira, o “embarque” foi autorizado, isto é, os kits começaram a ser entregues no antigo aeroporto de Berlim-Tempelhof, desativado em 2008, agora um parque municipal. O lugar de realização é, mesmo, o maior charme da Marathon Expo.

Assista ao vídeo curto da retirada de kits:

Embora fosse natural devido ao grande número de participantes, a espera não foi maçante, pois, apesar de longa, a fila fluía bem. Depois da fila pré-triagem, a perda de tempo foi mínima nas áreas de colocação de pulseira, que deveria ser mantida no pulso até domingo, e obtenção de número de peito. A maior fila, mesmo, foi a do caixa da loja da adidas, patrocinadora do evento, organizado pela SCC.

Atletas em direção ao Portão de Brandemburgo na Generali 5k (Esportividade)

Quem retirou o kit na quinta-feira pôde ter uma sexta-feira tranquila, sem compromissos com a maratona, priorizando o descanso ou um turismo leve. Neste ano de 2024, o treino coletivo transformou-se em uma prova por causa do 50º aniversário. Na Potsdamer Platz, com patrocínio da seguradora Generali e largada às 10h, os 5 km deram chance de participação aos familiares dos maratonistas – centenas de atletas que correriam no domingo também marcaram presença. Quem correu nos 5 km igualmente sentiu a emoção de cruzar o Portão de Brandemburgo um pouco antes de receber a medalha.

Patinadores passando em frente à estação Potsdamer Platz (Esportividade)

Ao fim dos 5 km, o sábado esportivo não havia acabado: restavam ainda as corridas infantis na Potsdamer Platz e a famosa maratona de patinação inline (inline skating) – prova de 42,195 km, boa parte dela disputada em um circuito de 7 km, percorrido cinco vezes, com trecho final, fora do loop, coincidindo com o da corrida pedestre de domingo. Quatorze brasileiros patinaram lá.

Segundos antes de cruzar pórtico e começar a correr em Berlim (Esportividade)

E o tão esperado domingo da 50ª Maratona de Berlim chegou! Não importava a estação nem o ponto de ônibus em que você estivesse: você encontraria alguém a caminho do parque Tiergarten, a poucos metros do Portão de Brandemburgo, com número de peito da prova. Como a largada foi dividida em ondas, os participantes não chegaram todos juntos à “arena”: embora houvesse, é claro, muita gente, novamente a fluidez das filas chamou atenção. Em razão da baixa temperatura, de 8ºC a 10ºC, os participantes usaram blusa ou roupa plástica até minutos antes da largada, depositando-as no canteiro central para serem recolhidas e doadas pelos organizadores.

Coluna da Vitória é vista logo no primeiro km de Maratona de Berlim (Esportividade)

Os brasileiros da segunda onda ficaram empolgados ao ouvirem a música “Sorte Grande” (“Poeira, poeira, levantou poeira…”), cantada por Ivete Sangalo, execução musical (de gravação) que já virou tradição em Berlim. Autorizada a partida, perceberam a “sorte grande” mesmo ao avistarem a Coluna da Vitória (Siegessäule), obelisco ao centro de uma grande praça circular.

Andrei (80099) corre na 50ª Maratona de Berlim: corrida flui bem (Sportograf)

Depois desse trecho inicial, no qual parte dos corredores foi para o lado esquerdo e parte, para o direito, formou-se um gigantesco pelotão. Diferentemente do que se poderia imaginar, não havia tanta diferença de ritmo entre corredores, um sinal do respeito aos pelotões de largada por parte dos atletas. A consequência disso foi a sensação de ser parte de um fluxo constante, o que contribui para a qualidade da corrida. O fato de serem suaves as poucas subidas permitiu a manutenção de ritmo.

Torcedora brasileira segura bandeira do Brasil (Esportividade)

Assim como em outras maratonas europeias, os espectadores compareceram ao evento em ótimo número. Enquanto uma parte do público era local, outra era composta por amigos e familiares dos participantes, ficando à espera da passagem deles, muitas vezes segurando bandeira do país de origem, como o Brasil.

Assista ao vídeo curto que mostra a forte presença brasileira na Maratona de Berlim de 2024:

Como já foi dito aqui, como três a cada cem participantes eram brasileiros e a maioria destes vestia camiseta de assessoria esportiva ou com as cores do Brasil, não foi difícil localizá-los no decorrer da prova e interagir brevemente com eles.

Apoio infantil durante a 50ª BMW Berlin Marathon (Esportividade)

Um atleta brasileiro amador ajudava o outro , mas isso não quer dizer que os estrangeiros não dessem aquela força, com toques no ombro, quando notavam que um atleta estava “em apuros”. E a torcida local também fazia sua parte.

Blue line ajuda inclusive Forrest Gump (Esportividade)

A blue line, linha azul pintada no asfalto indicando o traçado ideal, foi uma referência para os atletas, especialmente quando uma curva se aproximava. Postos de hidratação e banheiros químicos foram distribuídos ao longo do percurso em quantidade suficiente. Os tapetes intermediários de cronometragem, instalados de 5 em 5 km, registravam o tempo parcial de cada um, atualizando o resultado em tempo real para quem acompanhava o desempenho dos participantes por meio do aplicativo do evento.

Depois de passarem pelo Portão, corredores dirigem-se à chegada (Sportograf)

Isso também existe em outras grandes maratonas europeias, como as de Viena, Copenhague, Frankfurt e Barcelona. A prova na capital austríaca, aliás, apresentou até mais recursos de interação com os participantes que a Maratona de Berlim, como telão exibindo áudio e vídeo de mensagem de amigo ou parente durante a prova. Quanto à organização, portanto, Berlim não está exatamente à frente das demais: está, na verdade, no mesmo alto nível.

Chegada da 50ª Maratona de Berlim (Sportograf)

O grande diferencial da corrida berlinense é a história, e a chegada da 50ª edição foi uma das mais apoteóticas do mundo: na reta final, ao avistar o Portão de Brandemburgo, o corredor sabia que podia gastar o que lhe restava de energia e acelerar, independentemente de estar em dia de recorde pessoal ou não estar. Em um intervalo pouco mais de 200 metros, foram duas emoções: passar pelo Portão e pelo pórtico de chegada.

Andrei Spinassé exibe medalha da 50ª Maratona de Berlim (Esportividade)

Depois de receberem a belíssima medalha dos 50 anos e das 50 edições, os maratonistas brasileiros encontraram compatriotas, bateram papo sobre a prova, pegaram banana, chá quente, cerveja sem álcool gelada e poncho térmico, tocaram o sino em caso de RP, gravaram tempo na medalha (caso tivessem comprado essa gravação antecipadamente), descansaram um pouco no Tiergarten ou na praça da República e retornaram aonde estavam hospedados.

No domingo à noite e na segunda-feira pela manhã, a capital alemã ainda estava cheia de maratonistas, que exibiam com orgulho – no peito – a medalha conquistada e vestiam jaqueta ou camiseta do evento, inclusive na Berlin Hauptbahnhof, antes de darem sequência à viagem.

Atleta fantasiado de Portão de Brandemburgo corre na Maratona de Berlim de 2024 (Esportividade)

Em razão da alta procura, há anualmente um sorteio de inscrições (as quais custam 200 euros), e quem quiser correr na edição de 2025, prevista para 21 de setembro, já pode efetuar cadastro (clique aqui) e aguardar o sorteio.

A cobertura do Esportividade da 50ª edição da Maratona de Berlim (2024) contou com o apoio do visitBerlin e de ClassPass.

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