Pelo direito de correr
Numa manhã de primavera, Forrest Gump resolveu dar uma volta ao mundo correndo. Conseguiu adeptos por onde passou. Muita gente admirou sua força de vontade e sensibilidade ao passar a mensagem que desde cedo aprendeu com sua mãe: “As pessoas são como as caixas de bombons: sempre estão prontas a nos surpreender”. Forrest tinha um verdadeiro motivo para sua ação. Sabia o significado de seu ato e era abastecido pelo companheirismo e admiração de todos aqueles que tentavam acompanhar seus passos.
O leitor já se perguntou, alguma vez, quais os motivos que o levam a correr? Alguns gostam do desafio e buscam, a todo custo, superar os limites impostos pelos adversários. Em geral, são corredores que são motivados para a competição e não se contentam com uma boa colocação na linha de chegada. O que vale é apenas a vitória. Nada mais.
Já outros optam pelo desafio de completar uma maratona, por exemplo. Esses atletas têm o repertório motivacional orientado para a realização. Os adversários, nesses casos, estão dentro de cada um. O desejo de conseguir diminuir o tempo, finalizar a prova e sentir o prazer em colocar a medalha supera a vontade de estar no lugar mais alto do pódio.
No entanto, não basta apenas uma preparação física adequada: é preciso que a mente e as emoções acompanhem a fortaleza do corpo e sejam aliadas inseparáveis no momento da corrida.
A ansiedade, em geral, é a principal vilã daqueles que buscam o desempenho favorável em uma prova. Ela é a responsável pelo surgimento daqueles pensamentos intrusos que só dificultam a manutenção da concentração nos momentos mais delicados. A equação é exata e implacável: aumenta a ansiedade, cai a concentração.
Manter a concentração focada durante uma ou duas horas é tarefa para poucos. Pude constatar, nestes últimos anos em minha clínica psicológica, o grande aumento de atletas que têm o rendimento prejudicado por conta da dificuldade de manter a atenção e os pensamentos na mesma direção e, claro, alinhados com a emoção durante o período em que estão correndo.
A técnica mais utilizada pela Psicologia do Esporte, nesses casos, é a da visualização — processo de comunicação entre a emoção, a percepção e a mudança corporal. Importante causa tanto da saúde quanto da doença, é a maior e mais antiga fonte de cura e aperfeiçoamento do rendimento e da performance em todas as modalidades esportivas.
Os exercícios de visualização e as demais técnicas visomotoras representam as principais formas de atuação e intervenção psicológica no esporte.
Por meio da imaginação é possível vivenciar uma situação sem estar presente no ambiente em que ela se desenrola. Esse ensaio de vivência produz um relato bastante fiel sobre as emoções e pensamentos envolvidos durante uma maratona ou qualquer outra prova que exija concentração e foco apurados. Esse tipo de exercício mental já é considerado um treinamento esportivo em vários países do mundo. Infelizmente, no Brasil, estas técnicas se confundem com práticas de curandeirismos e/ou feitiçarias. Nada contra estas duas práticas. O ser humano, ao longo da história, desenvolveu sua fé, valores, princípios e autoconhecimento por intermédio de magos e gurus. Ressalvo, apenas, que vivemos uma nova era e, com ela, novas tendências e necessidades evidenciam a necessidade de o método e a intervenção serem revolucionados.
A postura imaginativa direciona o caminho que pretendemos trilhar ao longo da vida em todos os seus campos. Optamos pela saúde ou pela doença. A mente assume um caráter determinista e final no processo evolutivo de nossa espécie. No esporte, motivação, concentração, controle de ansiedade e gerenciamento do estresse AJUDAM A FORMAR O ALICERCE do iceberg mental que deve ser cuidado com o mesmo zelo que o físico e o técnico.
A metáfora de Forrest Gump nos relembra os mitos gregos. Ao contrário de heróis como Prometeu ou Jesus, não nos empenhamos em nossa jornada para salvar o mundo, mas para salvar a nós mesmos. Mas, ao fazer isso, você salva o mundo. Afinal, onde imaginávamos viajar para longe, iremos ao centro de nossa própria existência.
E lá, onde pensávamos estar sós, estaremos na companhia do mundo todo.
Sobre João Ricardo Cozac
Psicólogo do esporte, presidente da Associação Paulista da Psicologia do Esporte, vice-presidente da Sociedade Brasileira da Psicologia do Esporte. Membro acadêmico da Academia Brasileira de Marketing Esportivo e do Laboratório de Psicossociologia do Esporte da USP. Atua na área há 20 anos, atende atletas de diversas modalidades e categorias e é professor responsável pelo curso de Psicologia do Esporte na Associação Paulista da Psicologia do Esporte.
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Excelente matéria!