Fê Venturini: ‘Nem que o vôlei vá ao inferno e volte, mas que volte limpo’
Apesar do domingo (21) festivo no ginásio José Liberatti, onde a equipe do Leite Moça se reuniu, antes de Molico/Osasco x São José dos Campos, para relembrar a conquista do título mundial de 1994, não foi possível se referir só ao passado do vôlei. Os escândalos do presente da modalidade estão quase diariamente nas manchetes de portais e jornais e já causaram suspensão de patrocínio do Banco do Brasil, o principal fomentador da modalidade no país. O “fundo do poço”, segundo a ex-levantadora Fernanda Venturini, não será uma tragédia se significar mudanças reais. “Nem que o vôlei vá ao inferno e volte, mas que volte limpo, direito”, disse.
A esposa do treinador da seleção brasileira masculina, Bernardinho, acredita ser a corrupção no vôlei mais uma entre inúmeras praticadas no Brasil. “É revoltante, mas é o retrato do país”, afirmou. “O Brasil inteiro está podre. Não são só a Petrobras e a CBV que estão assim. Vemos falcatrua de norte a sul, de leste a oeste. Existe esquema em tudo. Não devemos ter dó de ninguém, e quem é culpado tem de pagar [pelo que fez].”
Bernardinho mostra-se publicamente insatisfeito com o que foi revelado na série de reportagens do jornalista Lúcio de Castro, da ESPN Brasil, e tem sido confirmado pelo Controladoria-Geral da União. Venturini vê ligação entre os escândalos e o fato de o técnico ter descoberto um tumor no rim direito – há três meses retirado. “Foi um susto porque, há um ano e meio, ele não tinha nada e, de repente, apareceu um negócio de 3,5 cm no rim. Com certeza esse caso da CBV potencializou o câncer”, declarou a ex-atleta.
Também integrante da equipe campeã mundial em Osasco há 20 anos, Ana Moser atualmente é presidente da Atletas pelo Brasil, organização sem fins lucrativos que tem como missão “melhorar o esporte para melhorar o país”. “Desde a minha época se ouve falar de coisas aqui e ali. Só é novidade para um ingênuo que essas questões aconteçam no esporte – não só no vôlei. Em boa parte das federações e confederações existem esses vícios de gestão”, declarou. “O que é ponto positivo é que isso vem à tona e é encarado. Tanto governo, por meio da CGU, como patrocinador, que é uma empresa pública, estão alinhados em uma estratégia, a qual pede mudanças.”
A gestão da CBV que é questionada é a de Ary Graça, atual presidente da Federação Internacional de Vôlei. Relatório de auditoria especial realizada pela Controladoria-Geral da União (CGU) na Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) aponta irregularidades em contratos que, juntos, somam R$ 30 milhões em pagamentos feitos entre 2010 e 2013. Ao verificarem a gestão da CBV e o destino dado aos recursos federais obtidos, os auditores da CGU detectaram 13 contratos com irregularidades.
De acordo com a CGU, as empresas contratadas são de propriedade de dirigentes e ex-dirigentes da CBV ou de pessoas ligadas a eles por laços familiares. A averiguação de contas e procedimentos adotados pela entidade teve início após denúncias de falta de transparência nas contratações de colaboradores e serviços pela diretoria da CBV.
E a CBV comunicou oficialmente ao Banco do Brasil em 18 de dezembro de 2014, quinta-feira, que todas as medidas sugeridas pela Controladoria-Geral da União (CGU) serão implementadas na entidade no prazo de 90 dias. “O cumprimento integral das ações demonstra que a nova gestão se compromete com uma governança responsável e transparente”, disse a entidade por meio de um comunicado.
As medidas são: auditoria externa, regulamento de contratações, vetos de empresas suspeitas, criação de comitê de apoio. A entidade vai tentar reaver judicialmente os valores de contratos que foram apontados pela CGU como irregulares. “A CBV espera que o Banco do Brasil restabeleça o repasse de recursos do patrocínio para que a realização das etapas do Circuito Open de vôlei de praia e o planejamento das seleções brasileiras em todas as suas categorias não sejam prejudicados.”
Em 12 de dezembro o clima entre CBV e FIVB “esquentou”, e a confederação brasileira comunicou que, após a divulgação de suspensões de Bernardinho (dez jogos), Mário Júnior (seis) e Murilo (um) por causa de fatos ocorridos no Campeonato Mundial masculino de 2014, não vai mais realizar no Brasil a fase final da Liga Mundial de 2015 “em solidariedade aos punidos”.
Reencontro
A maior parte das campeãs mundiais de clubes participou do evento em homenagem aos 20 anos do título do Leite Moça, que era de Sorocaba. Ana Cláudia, Ana Moser, Denise, Dirce, Fernanda Venturini, Ida, Josiane, Kerly, Ricarda e Simone Storn juntaram-se a membros da comissão técnica e às jogadoras atuais do Molico/Osasco, time também patrocinado pela Nestlé.
Venturini valorizou o fato de ter revisto ex-colegas. “Vitórias vão, vitórias vêm, mas o que ficam são as amizades. O esporte é uma parte da nossa vida, mas não é tudo”, declarou.
Moser disse ter se exergado em jogadoras atuais como Dani Lins e Thaisa durante a cerimônia: “É uma viagem interessante encontrar as meninas que hoje estão em atividade e me enxergar nelas. Tenho de me esticar, pois elas estão muito altas”.
Dirigida por Sérgio Negrão, a equipe sorocabana, que, assim como a osasquense, era patrocinada pela Nestlé, bateu na final o Parmalat/Matera, então tricampeão italiano, por 3 sets a 0 (15/2, 15/4 e 15/8) no dia 27 de novembro de 1994, no José Liberatti, em Osasco.