São Paulo - região metropolitana
Rio-2016 22/08/2016

Crianças descobrem esporte com Rio-2016, mas Brasil não aproveita ‘onda’

Por Andrei Spinassé, editor do Esportividade
Famílias posam para foto a caminho da Arena Corinthians (Andrei Spinassé/Esportividade)

Famílias posam para foto a caminho da Arena Corinthians (Andrei Spinassé/Esportividade)

Pai e filho saíram da estação de metrô Antero de Quental, na zona sul do Rio de Janeiro, à 1h30 de uma terça-feira. No bairro do Leblon, na volta para casa, os dois falavam sobre o que haviam acabado de presenciar em um estádio. Apesar do sono, o garoto, vestindo camisa amarela da seleção brasileira de futebol, tinha energia para fazer comentários sobre aquela inesquecível conquista. Fazia tempo que não vibrava tanto com um fato esportivo. Na verdade, nunca havia visto uma vitória brasileira assim.

Famílias inteiras iam para Corinthians-Itaquera às 10h30 de uma sexta-feira. A Linha 11-Coral da CPTM, normalmente usada por trabalhadores, ganharam um novo público, o infantil, ao menos momentaneamente. Os tons sóbrios e sérios das roupas do cotidiano davam lugar ao verde e ao amarelo. Na saída da estação, para onde se olhava se viam crianças. Elas não iam para um parque de diversões ou ao cinema: estavam prestes a torcer pela seleção brasileira.

Quando se fala em legado olímpico, logo se pensa no que foi construído para os Jogos Rio-2016, encerrados no domingo (21): estádios, ginásios e linha de metrô, por exemplo. O maior legado, no entanto, é intangível: é sobre como as crianças absorveram o esporte nesse período, ainda que pela TV, e como o colocarão em prática.

As crianças dos dois exemplos aqui citados adquiriram uma visão mais ampla do esporte, que está muito longe de ser só o futebol profissional praticado por homens. No primeiro caso, o menino presenciou a vitória de Thiago Braz no salto com vara, feito inédito para o país. No segundo, as famílias assistiram à decisão feminina da medalha de bronze do futebol entre Brasil e Canadá, a qual foi obtida pelas canadenses em São Paulo.

O resultado do estímulo à prática esportiva diversa naturalmente gerado pelos Jogos Olímpicos Rio-2016 não pode ser medido de imediato, mas certamente será menor do que poderia ser. Se o menino que viu Thiago Braz ser ouro no Engenhão quiser praticar salto com vara, onde vai poder treinar a modalidade, mesmo que seja só como passatempo? A falta de oportunidades esportivas significa um desperdício de talentos e, principalmente, um incentivo (mesmo que não admitido) ao sedentarismo.

Apesar dos R$ 3,19 bilhões (de acordo com o portal UOL) investidos pelo Brasil, com dinheiro público, no esporte no ciclo olímpico “Londres até Rio”, considerando estrutura, capacitação de profissionais, logística e salários de esportistas, é insuficiente o que foi feito para se evitar o desperdício infantil de talentos e se combater o sedentarismo da população.

Uma das ações governamentais são os Centros de Iniciação ao Esporte. Ao todo, segundo o Ministério do Esporte, serão construídos 239 centros em 229 municípios em todo o país. O investimento total será de R$ 861 milhões. No entanto, o primeiro deles, em Franco da Rocha (SP), só foi inaugurado em junho. Ou seja, os demais terão ficado prontos quando a “onda olímpica” já tiver passado. O Brasil não terá conseguido “surfar nela” como deveria.

O atacante mais importante da seleção brasileira masculina de vôlei na decisão olímpica contra a Itália, Wallace, teve como primeiro clube o Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa (o COTP), da Prefeitura de São Paulo. Economizando dinheiro da condução, ele saía da Água Funda (Cursino) e ia até a avenida Ibirapuera de bicicleta. A oportunidade de praticar a modalidade existia, no entanto. Assim como havia uma chance para Rafaela Silva, ouro no judô, que contou com o projeto não governamental Instituto Reação, criado em 2003 pelo medalhista olímpico Flávio Canto.

Mas as ações do poder público e da iniciativa privada estão distantes de serem suficientes. Não fossem ex-atletas, haveria menos ainda projetos assim. Empresas não colaboram como poderiam: algumas das grandes companhias do Brasil preferem investir dinheiro que iria para o pagamento de impostos em projetos enquadrados na Lei de Incentivo ao Esporte – os quais muitas vezes carecem de transparência – a realmente patrocinarem projetos sociais que formem cidadãos (e, de vez em quando, atletas profissionais).

Os Jogos Olímpicos Rio-2016 foram lindos, mas perdemos uma oportunidade única de crianças, ao saírem da cama hoje, sinalizarem aos pais a vontade de praticar uma modalidade e estes facilmente conseguirem fazer matrícula delas em um curso esportivo da escola em que elas estudam ou em um centro de esportes do bairro.

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