Caso de Toquinho e os possíveis efeitos da elevação da ativação mental
Tenho acompanhado com certa proximidade os desdobramentos da luta entre Toquinho e Mike Pierce pelo UFC. Antes de iniciar a presente reflexão, friso que não estou aqui para julgar nem absolver o golpe que garantiu a vitória de Toquinho. Meu ofício está relacionado com a leitura dos aspectos psicológicos possivelmente envolvidos em ações esportivas de diversos segmentos e modalidades.
Em modalidades que mobilizam altos índices de energia de ativação interna, como no caso do MMA, ansiedade e concentração nem sempre constituem uma equação exata. O POMS, protocolo de mapeamento do perfil psicológico e dos estados de humor, estuda, entre outros fatores, a tendência de manifestação de um estado intitulado “confusão”. Esse parâmetro é traduzido pela dificuldade que o atleta demonstra em responder, de forma adequada, aos estímulos do ambiente. No caso de uma competição, é comum o esportista não apresentar o desempenho tático e técnico aprendido após treinamentos exaustivos. Isso quase sempre está ligado a um perfil psicológico que tende a gerar respostas perigosas e quase sempre danosas ao rendimento esportivo.
O caso de Toquinho, hoje banido do UFC pela conduta concebida como “deplorável” e “inaceitável” por Dana White, pode ser mais um entre tantos outros em que a falta do controle adequado dos estímulos psicológicos e emocionais gerou um prejuízo de grandes proporções à carreira do atleta.
Toquinho relatou que “não sentiu o toque de Mike Pierce” para encerrar o combate e demonstrou dificuldade para compreender – simultaneamente – a chegada do juiz e a queda de seu oponente. Foram menos de dois segundos na chave de joelho após o adversário acusar o golpe e aceitar o resultado da luta. Um tempo pequeno para o processamento dos movimentos e gerenciamento da concentração em um momento de elevadíssima ativação mental e força física.
A expressão comportamental de Toquinho deve ser analisada com ponderação. A olhos vistos, certo é que o atleta feriu um código de conduta dos mais importantes: o respeito com a integridade física do adversário. O que levou Rousimar Palhares, o Toquinho, a essa atitude pode ser compreendido por intermédio de um conjunto de variáveis técnicas e psicológicas. Na esfera psicológica, uma espécie de “ausência cognitiva” – ou o que o protocolo POMS concebe como “confusão” pode ter catalisado o golpe prolongado e equivocado naquele instante.
Na hora de julgar e punir, as imagens são analisadas e compreendidas apenas pelo fator formal, lógico e sociocultural. Não li, até agora, nenhuma análise que colocasse o foco visual e a energia de ativação interna elevada como protagonistas do erro do atleta. No melhor estilo foucaultiano de “vigiar e punir”, Toquinho foi expulso do UFC e trilhará outros caminhos profissionais.
O que mais angustia, nesse caso, é imaginar que Toquinho possa estar se perguntando até agora: “Como foi que fiz aquilo, meu Deus?”.
Sobre João Ricardo Cozac
Psicólogo do esporte, presidente da Associação Paulista da Psicologia do Esporte, vice-presidente da Sociedade Brasileira da Psicologia do Esporte. Membro acadêmico da Academia Brasileira de Marketing Esportivo e do Laboratório de Psicossociologia do Esporte da USP. Atua na área há 20 anos, atende atletas de diversas modalidades e categorias e é professor responsável pelo curso de Psicologia do Esporte na Associação Paulista da Psicologia do Esporte.
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